terça-feira, 3 de novembro de 2020

Do forno, um gênio?

 





Todas as pessoas que lidam com crianças, pais, tios, avós, desejam que seus infantes sejam inteligentes, grandes atletas e emocionalmente capazes. Isso é um fato quase universal, digo sem medo. Afinal, desejar o bem a essas coisinhas fofas e “sabidinhas” (como se diz aqui no Nordeste) é quase um imperativo...

Se pararmos bem para analisar esse desejo, é possível ver, de cara, o quanto ele é utópico. Ninguém é pleno, perfeito e sem lacunas (e que pena se alguém for assim, deve ter uma vida muito monótona!). Com nossas crianças, não é diferente. Elas terão, sim, habilidades especiais como todo mundo, mas jamais serão privadas de precisarem dos outros – uma condição sine qua non da existência humana.

Se é assim, como podemos potencializar as habilidades dos nossos pequenos? Sem dúvida, não será como fazer um bolo de ovos. Inteligência, ou mesmo genialidade, não saem do forno. É preciso investimento emocional, cognitivo, familiar, individual, comunitário, social, físico, espiritual (e até nutricional) para isso...

A formação de uma criança começa com a união do espermatozoide e do óvulo no trato genital feminino. Este encontro já é recheado de pressupostos: como era a carga genética dos pais? Como estava a saúde de ambos os genitores ao produzirem esses gametas? Os fatores epigenéticos** que modularam a formação do óvulo e do espermatozoide foram bem conduzidos? E após a concepção, a gravidez fluiu bem? A mãe ficou muito estressada na prenhez? Houve um bom aporte nutricional a essa gestante? Todos estes aspectos influenciarão, sem sombra de dúvida, na formação do cérebro da criança.

É interessante frisar que os 1000 primeiros dias de vida de um indivíduo são hoje tidos como fundamentais nessa formação e maturação cerebral. O ser humano passa por diversas transformações neurológicas na primeira infância. Basta observar que nem sabemos andar ao nascer! E ainda precisamos aprender a falar, correr, abstrair, ler, etc. Nesse sentido, diversas conexões serão formadas e outras serão “podadas” para que nossa mente consiga fluir e seguir linhas padrão de raciocínio...

O que acontece? Se nesse período precoce a família não é um ambiente acolhedor ou mesmo a criança sofre de doenças graves, faz uso de medicamentos, é exposta a substâncias tóxicas, passa por traumas, abusos e negligências... Tudo isso pode influenciar de forma negativa esse cérebro ainda imaturo.

Se queremos uma sociedade onde saiam mais cérebros geniais dos “fornos das maternidades”, é necessário que, enquanto comunidade, ofertemos às pessoas saúde e qualidade de vida; às mulheres, gestações saudáveis; às crianças, segurança, apoio, comida, lazer, conhecimento.

Não digo com isso que teremos bolos perfeitos. Todos nós sempre teremos um lado mais assado que o outro. Não obstante, precisamos garantir que o sabor da nossa existência, nossa individualidade, com todas as suas potencialidades, não se perca.

 

** Em linhas gerais, epigenética diz respeito a mecanismos ambientais que influenciam e modificam a expressão de genes; aspectos como questões nutricionais, uso de medicamentos ou mesmo o estresse podem atuar de forma epigenética.


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