quarta-feira, 1 de abril de 2020

Um olhar para memórias afetivas




Cheiros, sabores, toques, olhares ou sons... Vivências sensitivas que todos temos desde a mais precoce época de nossa existência. São nossos sentidos que captam esses estímulos ambientais e, por vias neurais, traduzem essas informações no córtex cerebral em experiências.

É inegável, contudo, que junto a um cheiro familiar ou a uma música da nossa infância sempre vem uma emoção... Mas por que nossa interpretação dos estímulos ambientais é atrelada às regiões do cérebro onde são gerados os sentimentos? A resposta para isso é muito clara: os sentidos geram lembranças – e lembranças afetivas.

Quando somos crianças e escutamos determinadas conversas de adulto ou quando sentimos o cheiro do café da nossa avó sendo coado num pano velho... Ou a primeira vez que vemos a chuva cair forte nas montanhas ou mesmo os respingos de uma neblina caindo na nossa pele (ao corrermos com nossos colegas pelas ruas da cidade),  temos memórias que ficarão vinculadas a essas experiências sensoriais. Cada vez que sentirmos o mesmo cheiro de café, ou a mesma neblina, zap! Um verdadeiro curto-circuito cerebral evocará aquela lembrança e a mesma emoção daquele momento prévio.

Fui muito bucólico, leitor, falando de montanhas e panos velhos? Verdade. Eis o problema: as crianças de hoje muitas vezes não estão construindo memórias afetivas positivas. Estamos vivendo uma verdadeira avalanche de estímulos sensoriais, mas vazios de significado positivo. São games, tablets, celulares com cores, sons e personagens tão surreais que nem Dali1 teria tanta criatividade. É uma verdadeira fuga da realidade, enquanto essa realidade (montanhas, panos velhos coando café e correr na chuva) tem tanto potencial curativo. A realidade é dura, sim, não obstante é maravilhosamente genuína, verdadeira. E a verdade sempre liberta nosso ser.

Precisamos pensar e pleitear por um universo onde as pessoas (crianças, adultos e idosos) possam construir boas memórias e bons afetos. Isso não é negar a tristeza, desconsiderar nossas dificuldades. É saber das nossas limitações, aprender com elas e viver o que é simples. Um mundo onde os adultos sejam livres e responsáveis, as crianças cuidadas e amadas e os idosos plenos.
Utópico? eu também acho. Mas seremos moral e eticamente indesculpáveis se não lutarmos por isso.


Nota:

Para saber mais sobre crianças com vivências positivas, sugiro a leitura de Heidi - A garota dos Alpes de Johanna Spyri. É um livro maravilhoso e que ensina muito sobre resiliência. 




Heidi: A Garota dos Alpes/Ciranda Cultural







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