Aproximadamente 1% da população mundial tem autismo
(APA,2013). É bem verdade que esse número varia muito nos estudos. Há trabalhos
que apontam que a cada 160 nascimentos, uma criança será diagnosticada com autismo
(OPAS, 2018). Outros estudos dizem que essa frequência é bem maior. Não
obstante, o fato é que, se a cada 100 pessoas que conhecemos, uma vive essa
realidade, precisamos nos aprofundar mais a respeito, não concorda?
O autismo, visto por alguns como um transtorno, para outros
como uma síndrome*, é um problema neuropsiquiátrico crônico que se manifesta de
forma muito precoce. Em geral, precocemente já é possível identificar traços
importantes, mas essa percepção se dará de forma distinta, de acordo com a
gravidade do autismo e suas manifestações clínicas. Casos leves podem passar
despercebidos até a vida adulta, ao passo que indivíduos graves podem ser
percebidos pelos pais ou por profissionais ainda na primeira infância. Tal como
as cores do arco-celeste, estamos falando do espectro autista:
um amplo e variado leque de apresentações. Refiro-me aqui a déficits na comunicação
social e na interação social, além de padrões repetidos de comportamento,
interesses ou atividades.
Muitos mitos permeiam o autismo: são todas crianças
agressivas, que não falam, com deficiência intelectual e que não encontrarão um
lugar social. É bem verdade que parte das pessoas autistas podem ter algumas dessas
características, porém não se pode generalizar. LEMBREM: O AUTISMO É UM
ESPECTRO que vai desde pessoas muito comprometidas (não falam, agressivas, com
comportamentos motores repetitivos) até pessoas muito funcionais e
intelectualmente avançadas (como um Asperger**).
Um desses mitos é a ideia de que o autismo está restrito à
infância. Todavia, com o avanço da medicina e das diversas modalidades
terapêuticas (fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional, nutrição,
musicoterapia, psicologia, psicopedagogia, etc.) muitas pessoas têm chegado a
fase adulta e até a senescência.
E, se adequadamente estimuladas, chegam muito bem, obrigado! São pessoas que têm
muito a ensinar com seu jeito singular de ver o mundo (Temple Grandin***, por
exemplo), mas que precisam ser abraçadas pela sociedade e inseridas no mercado
de trabalho, por exemplo. É quando seus pais estarão ficando idosos ou
falecendo que essas demandas precisarão ser refletidas pela parentela e pela
comunidade em que estão inseridos.
Algumas vezes, na minha prática, já acompanhei famílias que ganham
um autista: os pais faleceram e o parente mais próximo recebe judicialmente o
dever de cuidar daquela pessoa. Ou escuto comentários de pessoas que não sabem
lidar com comportamentos “diferentes” do habitual (manifestações comuns do
autismo) na sua escola, na igreja, no supermercado... Precisamos considerar,
porém, que não estamos falando de algo tão raro assim. E mais, estamos falando
de seres humanos. Pessoas como nós, com as mesmas necessidades biológicas,
psicológicas, sociais e espirituais. É preciso parar de negar que os autistas
estão no nosso meio.
Sei que não é fácil sair do nosso mundo ou mudar a forma
como aprendemos o que é “normal”. Não é fácil romper com certas tradições e
aceitar o que é diferente. Eu sei. Mas podemos convidar outras pessoas e fazer
do nosso asteroide B612 (me perdoe o Pequeno Príncipe!), nosso mundinho
particular, um pouco mais habitado.
*síndrome: em medicina, conjunto
de sinais e sintomas; manifestação comum a várias categorias patológicas.
** Asperger: autista
de alta funcionalidade, usualmente com dificuldade de interação social, mas com
conhecimentos elevados em uma determinada área (ex.: cálculo).
*** Temple Grandin:
autista norte-americana que possui doutorado e é professora em uma
universidade.
REFERÊNCIAS:
APA, 2013. Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais - DSM V.
OPAS, 2018. Disponível aqui
Trailer do filme Temple
Grandin. Disponível aqui
Saint-Exupery A., 1943. O
Pequeno Príncipe. Artes Gráficas (livro).




