sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

“MATER PERFECTAM”? CONSIDERAÇÕES SOBRE O SOFRIMENTO PSÍQUICO NO GESTAR (I)




Olá, leitores. Começando hoje uma sequência de textos sobre as transformações a que está sujeita a mulher na gravidez e as possíveis consequências negativas quando as coisas não saem exatamente como planejadas. Boa leitura!

Frequentemente, a gestação é encarada como um período transformador na vida de uma mulher. Além de ser um momento “mágico”,  através do qual um novo ser penetrará na vivência familiar, a gravidez é socialmente identificada como um período positivo. É a vida que se recicla! É uma oportunidade de reeditar experiências negativas do passado... É a hora de renascer junto da criança que chega. Contudo, seria sempre assim, em todas as situações, uma experiência exclusivamente de harmonia e paz?

Observando mais cautelosamente esse fenômeno, é inegável que as múltiplas transformações biopsicossociais que ocorrem com a mulher durante o gestar chegam de forma avassaladora, principalmente  para as primigestas*. As diversas transformações no peso, na aparência, na pele e na locomoção (só para citar algumas) andarão lado a lado com ebulições psíquicas. Ser uma boa mãe (ou uma “mãe suficientemente boa”, como diria Winicott1), ou ainda lidar com as pressões de familiares e amigos (sempre com algo a opinar), são algumas das demandas que o processo de maternagem carrega na vida ocidental contemporânea. A relação com o bebê, cada vez mais forte e mais “vivo” para a mulher, é uma faceta crucial da evolução da gravidez. Os movimentos fetais, por exemplo, são relatados na literatura (Maldonado, 2017)2 como uma experiência atrelada  à concretização da gestação – vinculada ao sentimento de “tornar-se” grávida.  Sentir o bebê mexendo é como se ele estivesse vivo para a mãe (de fato!). Vale salientar, todavia, que essa transformação, essa aceitação da maternidade, acontece paulatinamente... Isso, por si só, deve trazer tranquilidade  à mulher gestante. Será aos poucos que ela transitará de um estado “não-mãe” para um estado “mãe”. Ninguém nasce sabendo de tudo.

É bem pertinente também, leitor, relembrar que esse é o período da vida em que elas, as futuras mães, passarão por profundas mudanças hormonais. Trata-se da elevação do estrógeno e da progesterona, substâncias que manterão a gravidez (“pro-gesterona” = “pró-gestar”). Além da modulação de outras substâncias, como o cortisol e outros glicocorticoides, responsáveis pela cascata de resposta ao estresse. E todos esses hormônios terão atuação a nível cerebral, onde por meio de receptores estarão ativando ou inibindo comportamentos. Desregulações nesse modelo hormonal explica - juntamente com fatores como apoio do cônjuge, situação socioeconômica e antecedentes psiquiátricos – por que algumas mulheres desenvolvem problemas psiquiátricos no puerpério*. A depressão é um exemplo clássico de acometimento mental no pós-parto e pode atingir uma média de 20% das brasileiras3 (falaremos mais sobre isso no próximo texto).

Tateando por essa teia biológica, psicológica e social, a mulher terá muitas chances de tropeçar. É uma caminhada bela, poética e maravilhosa. Não obstante, difícil em todos os níveis. Diversas defesas psíquicas terão que ser levantadas para sustentar a mente nesse milagre da vida – inclusive aquelas que farão a mulher entrar em contato (ou não) com sua própria experiência de nascer e de ser criança.
Sei que para você talvez tudo isso pareça um pouco abstrato, mas gostaria de introduzir esse tema por esse viés antes de entrarmos na depressão no puerpério (ou no periparto*) propriamente dita. Continue com nossas postagens para saber mais sobre o tema.

* Puerpério: período que ocorre logo após o parto, também denominado de pós-parto.
* primigestas: mulheres passando pela primeira gestação
* periparto: conceitualmente, o período antes, durante e após o parto

REFERÊNCIAS:
1.       Zimerman, D. E. Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica: uma abordagem didática. Porto Alegre: Artmed, 2007.
2.       Maldonado, M. T. Psicologia da Gravidez: gestando pessoas para uma sociedade melhor. 2ª edição. São Paulo: Editora Ideias e Letras, 2017.
3.       HARTMANN JM, MENDOZA-SASSI RA, CESAR JA. Depressão entre puérperas: prevalência e fatores associados. Cadernos de saúde pública, v. 33, n. 9, p. 1-10, 2017.













2 comentários:

  1. Muito edificante esse artigo! Gostaria de continuar aprendendo, especialmente sobre as mudanças hormonais que justificam esse turbilhão de emoções deste período e também como ocorre numa segunda gestação.

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  2. Que bom que gostou! Continua nos acompanhando, pois teremos uma série bastante proveitosa!

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