sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Estrelas cadentes - Reflexões sobre autoextermínio em Natal/RN




É frequente escutar na cidade em que resido, Natal/RN, relatos sobre pessoas que praticam suicídio em um dos pontos turísticos da cidade. Em um lugar conhecido por suas belezas naturais e pela rememoração da festa natalina, pessoas em desespero se lançam das alturas ao mar, como estrelas cadentes.

Me lembro de Macabeia (a eterna) e Lispector  enquanto escrevo isto. Esse momento final, medonho, difícil - e certamente sofrido - faz uma ponte com o livro de Clarice. É sim a hora da estrela1 para  essas pessoas – um momento em que se estará nos holofotes da mídia e na boca do povo. Não obstante, também será um momento em que seu sofrimento, sua dor, sua angústia extrema culminará na morte.

Os dados sobre suicídio no mundo são alarmantes: fala-se que até 800.000 mortes2 ocorrem por ano no planeta. O suicídio está entre as dez principais causas de morte. Depressão, transtorno bipolar, abuso de substâncias e psicoses (rupturas com a realidade) estão entre alguns diagnósticos atrelados.
Ao contrário do que muitos pensam, trata-se de um tema que precisa ser falado. PRECISAMOS FALAR SOBRE SUICÍDIO! As pessoas precisam quebrar o tabu, expor suas angústias, entender que não é vergonha pedir ajuda. Somos seres humanos, frágeis. Podemos falhar, fraquejar, entristecer-nos, romper, adoecer, que seja... Quando a pressão sobe, precisamos falar – o que se constitui verdadeiramente  como uma válvula de escape.

Com isso entende-se que se você identificar uma pessoa com sofrimento psíquico, não tema em perguntar: “você acha que sua vida vale  a pena”? Às vezes com um simples inquérito todo um flagelo é sanado e uma alma, curada.

Assim sendo, se rompermos esse elo perverso de silêncio, opressão e desespero, conseguiremos que as pontes sejam apenas de ideias e esperanças  e que os pontos turísticos sejam locais marcantes para bater fotos e sorrir. E só. Pois para romper  essa conjuntura de autoextermínios, precisaremos repensar nossa forma de viver e de conduzir nosso planetinha: tanto o de dentro quanto o de fora, precisaremos destituir essa cadeia de formação de vazios internos e de escolhas ruins que podem nos levar a atos extremos (ou você pensa está imune?). Afinal, como diria Viktor Frankl, desespero é sofrimento sem sentido3. 

José Medeiros



1 – Lispector, Clarice. A hora da estrela. Ed. Rocco: Rio de Janeiro, 1998.
2 – ONU. OMS: quase 800 mil pessoas se suicidam por ano. Disponível emhttps://nacoesunidas.org/oms-quase-800-mil-pessoas-se-suicidam-por-ano/ . Acesso em 21 de Janeiro de 2020.

3 – Frankl, Viktor. Entrevista com Viktor Frankl – O Sentido da vida. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ryQj4BIfimE . Acesso em 21 de Janeiro de 2020.




terça-feira, 21 de janeiro de 2020

“Não se isole, divida sua dor” #TBT 06/09/2019




Olá leitores!

Hoje iremos relembrar uma breve entrevista que dei sobre o Projeto de extensão "Coração Azul" . Um projeto que possui um braço na pesquisa e um braço no ensino. O objetivo dele é cuidar , identificar e falar sobre o tema "Depressão no periparto" .

Veja o vídeo completo:






quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

“MATER PERFECTAM”? CONSIDERAÇÕES SOBRE O SOFRIMENTO PSÍQUICO NO GESTAR (II)



Continuando nossa prédica sobre maternidade, discutiremos um pouco o transtorno depressivo na gestação e no puerpério. Boa leitura!

O sofrimento psíquico é algo tão frequente nos nossos dias que se torna até senso comum falar “estou deprimido”, “tive uma crise de ansiedade”, ou até mesmo “surtei essa semana”! Todavia, será que para as mulheres grávidas falar sobre suas vivências mentais negativas é algo tão simples assim?

Penso que a resposta é dúbia: “sim” e “não”. Sim, porque todos sofremos. E se você nunca parou para pensar que o sofrimento psíquico pode acometer uma mulher na gestação, é bom abrir suas perspectivas. Estudos apontam que entre 10 a 40% das grávidas (uma média de 19%, variação decorrente de públicos diferentes)1 podem apresentar depressão no periparto e que até 70%  têm sintomas depressivos leves, algo conhecido como baby blues2. Assim sendo, é positiva a resposta, pois adoecer mentalmente nessa época do ciclo vital feminino é mais comum do que parece.

É fato que a resposta ao questionamento também é negativa. Não – falar sobre o sofrimento psíquico na gestação não é tão simples assim. Vergonha, medo, perturbação e angústia são apenas alguns dos sentimentos relatados por essas mulheres no consultório. Em geral, o constrangimento em buscar apoio tem por trás a ideia de que ela, enquanto geradora de uma vida, não  pode se “dar ao luxo” de sofrer, de desgostar daquele estado. Afinal, todos esperam que ela esteja bem e contente, pensando no enxoval. No entanto, tristeza, anedonia*, desesperança e até ideação suicida podem ocorrer nesses casos. Mas o que levaria uma mamãe a ter esse tipo de sentimento?

Como tudo na psiquiatria, a resposta é multifatorial. Ou melhor, é bio-psico-socio-espiritual. Somos seres inteiros, não fragmentados. Somos um todo biológico, psicológico, social e espiritual. Dessa feita, temos uma genética e uma carga hormonal que contribuem com nossos adoecimentos psíquicos. Temos experiências pregressas e escolhas que formam nossa mente. Temos uma rede de pessoas e seres com os quais nos relacionamos e que influenciam nosso processo de saúde. E por fim, mas não menos importante, temos a nossa relação com o que é transcendente, o que é maior do que nós. Tudo isso junto contribui para nosso adoecimento ou saúde mental . Nas mulheres grávidas, isso não é diferente. Fatores como apoio conjugal, presença de cuidadores no puerpério*, situação social e econômica, nível de escolaridade, antecedente de doenças psiquiátricas, situações de violência, traumas, história familiar... São tantos os fatores que podem contribuir para esse estado que poderíamos passar muito tempo falando sobre. Em síntese, tudo que desequilibre essa ordem integral do ser da gestante pode ser adoecedor.



* anedonia: perda do interesse ou prazer nas atividades diárias
* periparto: conceitualmente, o período antes, durante e após o parto
* puerpério: período até 42 dias após o parto (aqui no Nordeste chamamos de “resguardo”)
REFERÊNCIAS:
1.       SILVA MT, GALVÃO TF, MARTINS SS, PEREIRA MG. Prevalence of depression morbidity among Brazilian adults: a systematic review and meta-analysis. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 36, n. 3, p. 262-270, 2014.

2.       AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental disorders - DSM-5. 5th.ed. Washington: American Psychiatric Association, 2013.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

“MATER PERFECTAM”? CONSIDERAÇÕES SOBRE O SOFRIMENTO PSÍQUICO NO GESTAR (I)




Olá, leitores. Começando hoje uma sequência de textos sobre as transformações a que está sujeita a mulher na gravidez e as possíveis consequências negativas quando as coisas não saem exatamente como planejadas. Boa leitura!

Frequentemente, a gestação é encarada como um período transformador na vida de uma mulher. Além de ser um momento “mágico”,  através do qual um novo ser penetrará na vivência familiar, a gravidez é socialmente identificada como um período positivo. É a vida que se recicla! É uma oportunidade de reeditar experiências negativas do passado... É a hora de renascer junto da criança que chega. Contudo, seria sempre assim, em todas as situações, uma experiência exclusivamente de harmonia e paz?

Observando mais cautelosamente esse fenômeno, é inegável que as múltiplas transformações biopsicossociais que ocorrem com a mulher durante o gestar chegam de forma avassaladora, principalmente  para as primigestas*. As diversas transformações no peso, na aparência, na pele e na locomoção (só para citar algumas) andarão lado a lado com ebulições psíquicas. Ser uma boa mãe (ou uma “mãe suficientemente boa”, como diria Winicott1), ou ainda lidar com as pressões de familiares e amigos (sempre com algo a opinar), são algumas das demandas que o processo de maternagem carrega na vida ocidental contemporânea. A relação com o bebê, cada vez mais forte e mais “vivo” para a mulher, é uma faceta crucial da evolução da gravidez. Os movimentos fetais, por exemplo, são relatados na literatura (Maldonado, 2017)2 como uma experiência atrelada  à concretização da gestação – vinculada ao sentimento de “tornar-se” grávida.  Sentir o bebê mexendo é como se ele estivesse vivo para a mãe (de fato!). Vale salientar, todavia, que essa transformação, essa aceitação da maternidade, acontece paulatinamente... Isso, por si só, deve trazer tranquilidade  à mulher gestante. Será aos poucos que ela transitará de um estado “não-mãe” para um estado “mãe”. Ninguém nasce sabendo de tudo.

É bem pertinente também, leitor, relembrar que esse é o período da vida em que elas, as futuras mães, passarão por profundas mudanças hormonais. Trata-se da elevação do estrógeno e da progesterona, substâncias que manterão a gravidez (“pro-gesterona” = “pró-gestar”). Além da modulação de outras substâncias, como o cortisol e outros glicocorticoides, responsáveis pela cascata de resposta ao estresse. E todos esses hormônios terão atuação a nível cerebral, onde por meio de receptores estarão ativando ou inibindo comportamentos. Desregulações nesse modelo hormonal explica - juntamente com fatores como apoio do cônjuge, situação socioeconômica e antecedentes psiquiátricos – por que algumas mulheres desenvolvem problemas psiquiátricos no puerpério*. A depressão é um exemplo clássico de acometimento mental no pós-parto e pode atingir uma média de 20% das brasileiras3 (falaremos mais sobre isso no próximo texto).

Tateando por essa teia biológica, psicológica e social, a mulher terá muitas chances de tropeçar. É uma caminhada bela, poética e maravilhosa. Não obstante, difícil em todos os níveis. Diversas defesas psíquicas terão que ser levantadas para sustentar a mente nesse milagre da vida – inclusive aquelas que farão a mulher entrar em contato (ou não) com sua própria experiência de nascer e de ser criança.
Sei que para você talvez tudo isso pareça um pouco abstrato, mas gostaria de introduzir esse tema por esse viés antes de entrarmos na depressão no puerpério (ou no periparto*) propriamente dita. Continue com nossas postagens para saber mais sobre o tema.

* Puerpério: período que ocorre logo após o parto, também denominado de pós-parto.
* primigestas: mulheres passando pela primeira gestação
* periparto: conceitualmente, o período antes, durante e após o parto

REFERÊNCIAS:
1.       Zimerman, D. E. Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica: uma abordagem didática. Porto Alegre: Artmed, 2007.
2.       Maldonado, M. T. Psicologia da Gravidez: gestando pessoas para uma sociedade melhor. 2ª edição. São Paulo: Editora Ideias e Letras, 2017.
3.       HARTMANN JM, MENDOZA-SASSI RA, CESAR JA. Depressão entre puérperas: prevalência e fatores associados. Cadernos de saúde pública, v. 33, n. 9, p. 1-10, 2017.